16 de jun. de 2010

Luar póstumo


Numa noite de lua escreverei palavras,
simples palavras tão certas
que hão de voar para longe, com asas súbitas,
e pousar nessas torres das mudas vidas inquietas.


O luar que esteve nos meus olhos, uma noite,
nascerá de novo no mundo.
Outra vez brilhará, livre de nuvens e telhados,
livre de pálpebras, e num país sem muros.


Por esse luar formado em minhas mãos, e eterno,
é doce caminhar, viver o que se vive.
Porque a noite é tão grande... Ah, quem faz tanta noite?
E estar próximo é tão impossível!



Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)

15 de jun. de 2010

Muitos campos tênues


Muitos campos tênues
que se inclinam pálidos:
flores decadentes
por todos os lados.


Grandes nuvens líricas,
ventos e astros lânguidos
a alta noite fria
clareando e sombreando.


Que vitória etérea
de guerreiros límpidos!
Mira a brava guerra
sonhos decorridos.


Desce no tempo íngreme
o planeta rápido.
Todo de ouro, o instinto
imobilizado.


E os nomes nos túmulos,
frágil cinza vária...
- Quebrados escudos,
abolidas armas.


Cecília Meireles
In: Canções (1956)

4 de jun. de 2010

Cântico

IV

Adormece o teu corpo com a musica da vida.
Encanta-te.
Esquece-te.
Tem por volúpia a dispersão.
Não queiras ser tu.
Quere ser a alma infinita de tudo.
Troca o teu curto sonho humano
Pelo sonho imortal.
O único.
Vence a miséria de ter medo.
Troca-te pelo Desconhecido.
Não vês, então, que ele é maior?
Não vês que ele não tem fim?
Não vês que ele és tu mesmo?
Tu que andas esquecido de ti?


Cecília Meireles
In: Cânticos (1927)
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