9 de dez. de 2013
DESENHO
Traça a reta e a curva,
a quebrada e a sinuosa
Tudo é preciso. De tudo viverás.
Cuida com exatidão da perpendicular
e das paralelas perfeitas.
Com apurado rigor.
Sem esquadro, sem nível, sem fio de prumo,
traçarás perspectivas, projetarás estruturas.
Número, ritmo, distância, dimensão.
Tens os teus olhos, o teu pulso, a tua memória.
Construirás os labirintos impermanentes
que sucessivamente habitarás.
Todos os dias estarás refazendo o teu desenho.
Não te fatigues logo. Tens trabalho para toda a vida.
E nem para o teu sepulcro terás a medida certa.
Somos sempre um pouco menos do que pensávamos.
Raramente, um pouco mais.
Cecília Meireles
in Poesia Brasileira do Século XX,
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Poesia Brasileira do Século XX
8 de dez. de 2013
CAVALGADA
Meu sangue corre como um rio
num grande galope,
num ritmo bravio,
para onde acena a tua mão.
Pelas suas ondas revoltas,
seguem desesperadamente
todas as minhas estrelas soltas,
com a máxima cintilação.
Ouve, no tumulto sombrio,
passar a torrente fantástica!
E, na luta da luz com as trevas,
todos os sonhos que me levas,
dize, ao menos, para onde vão!
Cecilia Meireles,
in Viagem
7 de dez. de 2013
Tempestade
Suspiraram as rosas
e surpreendidas e assustadas
esconderam-se nos seus veludos.
Não eram borboletas!
Nem rouxinóis!
Não eram pavões que passavam pelo jardim.
De um céu ruidoso
caíam essas grandes asas luminosas e inquietas.
Relâmpagos azuis voavam entre os canteiros,
retalhando os lagos.
Tremiam veludos e sedas,
e o pólen delicado,
na noite violenta,
alta demais,
despedaçada,
despedaçante.
Ah, como era impossível
suster a forma das rosas!
Cecília Meireles
In ‘Amor em Leonoreta’
6 de dez. de 2013
GAITA DE LATA
Se o amor ainda medrasse,
aqui ficava contigo,
pois gosto da tua face,
desse teu riso de fonte,
e do teu olhar antigo
de estrela sem horizonte.
Como, porém, já não medra,
cada um com a sorte sua!
(Não nascem lírios de lua
pelos corações de pedra...)
Cecília Meireles
In Vaga Música
TARDIO CANTO
Canta o meu nome agreste,
cheio de espinhos
o nome que me deste,
quando andei nos teus caminhos.
Canta esse nome amargo,
hoje perdido,
no tempo largo,
sem mais nenhum sentido.
Como esperei teu canto,
noites e dias!
Necessitava tanto!
Tu não podias...
Ouço o teu grito ardente,
cigarra do deserto!
Mas já não sou mais gente...
Não ando mais tão perto...
Cecília Meireles
In Vaga Música
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