28 de jul. de 2009

INVERNO



Choveu tanto sobre o teu peito
que as flores não podem estar vivas
e os passos perderam a força
de buscar estradas antigas.

Em muita noite houve esperanças
abrindo as asas sobre as ondas.
Mas o vento era tão terrível!
Mas as águas eram tão longas!

Pode ser que o sol se levante
sobre as tuas mãos sem vontade
e encontres as coisas perdidas
na sombra em que as abandonaste.

Mas quem virá com as mãos brilhantes
trazendo o seu beijo e o teu nome,
para que saibas que és tu mesmo,
e reconheças o teu sonho?

A primavera foi tão clara
que se viram novas estrelas,
e soaram no cristal dos mares
lábios azuis de outras sereias.

Vieram, por ti, músicas límpidas,
trançando sons de ouro e de seda.
Mas teus ouvidos noutro mundo
desalteravam sua sede.

Cresceram prados ondulantes
e o céu desenhou novos sonhos,
e houve muitas alegorias
navegando entre Deus e os homens.

Mas tu estavas de olhos fechados
prendendo o tempo em teu sorriso.
E em tua vida a primavera
não pôde achar nenhum motivo...


Cecília Meireles
Viagem, 1938

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