9 de nov. de 2011

Quando meu rosto contemplo


Quando meu rosto contemplo,
o espelho se despedaça
por ver como passa o tempo
e o meu desgosto não passa.


Amargo campo da vida,
quem te semeou com dureza,
que os que não se matam de ira
morrem de pureza tristeza?



Cecília Meireles
In: Canções (1956)

(Cecília de Meireles, nas. 07/11/1901 , morte 09/11/1964 )

8 de nov. de 2011

PAPÉIS – V –


Mas por que sempre lembrar essas coisas longínquas?
A verdade, porém é que há uns dias inesquecíveis,
uns fatos inesquecíveis, dentro de nós.
Tudo o mais, que vivemos, gira em redor deles.
Toda uma vida se reduz, afinal, a umas poucas emoções,
por muitos anos que vivamos,
apesar de viagens, experiências, realizações, sonhos, saber...
Vivemos tudo – o humano e o universal –
nuns pequenos instantes, obscuros e essenciais.

Todos os dias assim, de chuvinha fina,
penso em velhas cenas de infância:
a tarde em que comia um pedaço de maçã
e conheci o arco íris;
o livro em que estudava francês,
com uma gravura de crianças felizes, que riam para o ar:
La pluie;
a minha solidão com tesouras, cola e cartolina:
“Brinquedos para os dias de chuva...”

Tudo isso vem `a minha memória, como visitantes inesperados.
Interrompo o que estou fazendo, tenho um pena imensa de mim.
Depois, penso em velhos poemas chineses, curtos e leves.

Sou como quem mira uma antiga coleção de cartões-postais.



Setembro, 1955


Cecília Meireles.
Antologia Poética . p. 168/9
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