31 de jul. de 2012

'Tarde de chuva'

A nuvem negra
é uma outra noite precoce
que chega do Oeste.


As mães chamam pelos filhos
exatamente como se aquela sombra
fosse um exército inimigo.


Os pássaros fogem
por todos os lados
e os jasmins deixam cair
suas brancas estrelas
ao vento que frisa
a água verde do tanque.
As margaridas inclinam-se
tontas, tontas.


Cai uma chuva alegre,
que não apaga o trinar dos pássaros.
O tijolo bebe cada gota,
instantaneamente.


Esta é uma chuva
das que trazem colar de arco-íris.
Esta é uma chuva
dançarina de cristal.
Mas, de repente, o trovão fala, severamente.
E tudo presta atenção.


A nuvem negra
chega do Oeste
e é como a noite,
em plena tarde,
no meu jardim.


E o vento desce
nas margaridas,
e se arredonda
entre as mangueiras
e se desfolha
na leve sebe
e é verde e branco.
9.1.1957



Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)

Paisagem e silencio


O hirto cipreste com pássaros escondidos na rama crespa.
A rendada folhagem das sucessivas acácias.
Folhas coloridas, agaves, roseiras descendo entrelaçadas
A encosta pedregosa.


Para onde foram as borboletas que aqui dançaram?


Os telhados muito velhos, ainda com clarabóias.
Escuros vãos de janelas, tão longe que não se avista ninguém.


Coníferas, palmeiras. Tudo imóvel,
a não ser uma fumaça que sobe azuladamente, entre as arvores.


O flanco da montanha, com seus verdes turvos,
com sua pedra riscada por sulcos de água.


Nuvens tempestuosas, grossas nuvens aquosas
crescendo insensivelmente, cinzentas, pardas, lívidas.
São conchas monumentais, balaustradas, zimbórios frágeis.
Montanhas aéreas de opalas foscas.


De repente, duas pequenas asas fugitivas:
- o pombo branco.
Atrás delas, igual a elas, assim clara, alta e rápida,
uma voz de criança a correr.


Depois, entre o olhar e a tarde,
prossegue o silencio.

Abril, 1954



Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)
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