7 de mai. de 2009

"38"


Não sobre peito ou companhia humana:
sobre papéis chorava.
A pobre lágrima comprimida muito longe
perguntava admirada
se podia correr, se estava solta agora,
e com angústia se concentrava
- amiga lágrima, grito mudo dos tristes!-
e acorria desesperada,
tão pequena, meu Deus, para tão grande tormento,
que se pensava:
como é possível sem queixa nem desafogo!
Que dor tão bem guardada!
E tinha-se pena de deixar a lágrima livre
e de deixá-la escrava.
Nem sabia se era melhor sofrer, consolar-se,
nem se compreendia mais nada.

Sobre papéis escritos, sobre papéis impressos,
uma única lágrima se evaporava.
Era uma solidão muito solene, a vida,
fora do mundo, calada.

Os algozes jogavam dados na mesa do tempo.
Quem sabe o que apostavam?


Cecília Meireles
In ‘Metal Rosicler’

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