
Inclina o perfil amado
Nos veludos do silêncio
E apaga sobre esse quadro
As velas do pensamento.
E fecha a porta da sala
E desce a escada profunda
E sai pela rua clara
Onde não façam perguntas.
E vai por praias desertas
Desmanchando os teus caminhos,
Cortando o fio às conversas
Dos teus próprios labirintos.
E ao chão dize: Sou de areia.
E às ondas dize: Sou de água.
E em valas de ausência deita
A alma de outrora magoada.
Sem propósito de sonho
Nem de alvoradas seguintes,
Esquece teus olhos tontos
E teu coração tão triste.
Talvez nem a sobre humana
Mão que tece o ar e a floresta
Perturbe alguém que descansa
De tão duras controvérsias.
Talvez fiques tão tranqüila,
Ó vida, entre o mar e o vento,
Como o que ninguém divisa
De uma lágrima num lenço.
Cecília Meireles
In Retrato Natural
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