4 de nov. de 2010
Eu sou essa pessoa a quem o vento chama...''
Eu sou essa pessoa, a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.
Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza.
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
iá de horizonte libertada, mas sozinha.
Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me:não quereis ou não sabeis ser sonho?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.
Pelos mundos do vento, em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:
"Agora és livre, se ainda recordas."
Cecília Meireles
in 'Solombra'
'Caminho pelo acaso dos meus muros'
Caminho pelo acaso dos meus muros,
buscando a explicação de meus segredos.
E apenas vejo mãos de brando aceno,
olhos com jaspes frágeis de distância,
lábios em que a palavra se interrompe;
medusas da alta noite e espumas breves.
Uma parábola invisível sabe
o rumo sossegado e vitorioso
em que minha alma, tão desconhecida,
vai ficando sem mim, livre em delícia,
como um vento que os ares não fabricam.
Solidão, solidão e amor completo.
Êxtase longo de ilusão nenhuma.
Cecília Meireles
in 'Solombra'
'Para pensar em ti todas as horas fogem'
Para pensar em ti todas as horas fogem;
o tempo humano expira em lágrimas e cegueira.
Tudo são praias onde o mar afoga o amor.
Quero a insônia, a vigília, uma clarividência
deste instante que habito - ai, meu domínio triste!,
ilha onde eu mesma nada sei fazer por mim.
Vejo a flor, vejo no ar a mensagem das nuvens,
- e na minha memória és imortalidade -
vejo as datas, escuto o próprio coração,
E depois o silêncio. E teus olhos abertos
nos meus fechados. E esta ausência em minha boca:
pois bem sei que falar é o mesmo que morrer.
Da vida à Vida, suspensas fugas.
Cecilia Meireles
in 'Solombra'
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