13 de jun. de 2011

Amor, ventura,...


Amor, ventura,
não tenho.
Mas dor obscura
e tempo.


Deus encoberto
não vejo,
mas perto e certo
o entendo.


Viver, não vivo:
contemplo
meu sonho ativo
e isento.


Que mundo existe,
suspenso,
depois de um triste
degredo?


Não quero o acaso!
E penso:
lavra o meu prazo
que vento?



Cecília Meireles
In: Canções

Única sobrevivente...


Única sobrevivente
de uma casa desabada
- só eu me achava acordada.


E recordo a minha gente,
na noite sem madrugada.
Só eu me achava acordada.


Minha morte é diferente:
eles não souberam nada.
Só eu me achava acordada.


Mas quem sabe o que se sente,
entre ir na casa afundada
e ter ficado – acordada!?



Cecília Meireles
In: Canções

2 de jun. de 2011

Imagem


Uma pobre velhinha franzida e amarelada
sentou-se num banco, em Paris.
A tarde cinzenta andava atrás dela
como um triste gato de feltro e flanela,
igualmente exausta e infeliz.
Entretanto, aquela cidade, aquela
é a maior do mundo, segundo se diz.
E não só maior – mas alegre e bela:
é a cidade chamada Paris.


Por que há uma velhinha tão triste e amarela
sentada num banco em forma de X?
Nunca vi ninguém mais triste do que ela,
em tarde nenhuma de nenhum país.


Nas mãos, uma chave – de que bairro, viela,
porta, corredor, mansarda, canela? –
com um desenho de flor-de-lis.



Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Viagem (1939)
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