31 de jan. de 2010
'Antieclesiaste'
Chuva nas nuvens,
flores nas arvores,
lagrimas em nós.
Estação de chuva,
estação de flores.
O tempo inteiro para as lagrimas.
Por isso estamos tão extenuados:
todos os tempos foram de chorar.
1949
Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)
29 de jan. de 2010
Com agulhas de prata
Com agulhas de prata
de brilho tão fino
bordai as sedas do vosso destino.
Bordai as tristezas
de todos os dias
e repentinamente as alegrias.
Que fiquem as sedas
muito primorosas
mesmo com lagrimas presas nas rosas.
Com agulhas de prata
de brilho tão frio...
ai, bordai as sedas, sem partir o fio!
1961
Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Sonhos (1950-1963)
Uma noite me balancei no céu
(Tela by Jean-Honoré Frangonard)
Uma noite me balancei no céu.
O balanço era de flores ou de estrelas,
e suas pontas perdiam-se no Norte e no Sul,
e atiravam-me de Leste a Oeste.
Desci do sonho melancólica.
Às vezes suspiro por esse alto sonho.
Contá-lo não é nada: mas vivê-lo:
mas estar longe, numa solidão deleitosa,
mas crer, afinal, que há um tempo de viver...
Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Sonhos (1950-1963)
20 de jan. de 2010
Luar póstumo
Numa noite de lua escreverei palavras,
simples palavras tão certas
que hão de voar para longe, com asas súbitas,
e pousar nessas torres das mudas vidas inquietas.
O luar que esteve nos meus olhos, uma noite,
nascerá de novo no mundo.
Outra vez brilhará, livre de nuvens e telhados,
livre de pálpebras, e num país sem muros.
Por esse luar formado em minhas mãos, e eterno,
é doce caminhar, viver o que se vive.
Porque a noite é tão grande... Ah, quem faz tanta noite?
E estar próximo é tão impossível!
Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)
18 de jan. de 2010
Epitáfio da navegadora
A Gastón Figueira
Se te perguntarem quem era
essa que às areias e gelos
quis ensinar a primavera;
e que perdeu seus olhos pelos
mares sem deuses desta vida,
sabendo que, de assim perdê-los,
ficaria também perdida;
e que em algas e espumas presa
deixou sua alma agradecida;
essa que sofreu de beleza
e nunca desejou mais nada;
que nunca teve uma surpresa
em sua face iluminada,
dize: “Eu não pude conhecê-la,
sua história está mal contada,
mas seu nome, de barca e estrela,
foi: SERENA DESESPERADA”.
Cecília Meireles
Vaga Música (1942)
16 de jan. de 2010
Os homens rústicos rezavam
7 de jan. de 2010
'Improviso à janela'
Este é o começo do dia,
como o começo e o fim do mundo:
as nuvens aprendem a voar,
os campos vão sonhando nuvens,
o vento vai sonhando o pó
onde tristemente o amor palpitará.
Este é o começo do dia.
Vemos tudo o que já foi visto,
alguma coisa não mais se verá.
Nem sempre olhamos o dia
tão face a face e tão docemente.
Nem sempre sentimos esta saudade,
ainda ausente, ainda futura,
do que há e do que não há.
Este é o começo do dia:
- do céu, da luz, da terra, dos homens,
que acontecerá?
1954
Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)
Espelho cego
Onde a face de prata e cristal puro,
e aquela deslumbrante exatidão
que revela o mais breve aceno obscuro
e o compasso das lagrimas, e a seta
que de repente galga os céus do olhar
e em margens sobre-humanas se projeta?
Onde, as auroras? Onde, os labirintos
- e o frêmito, que rasga o peso ao mar
- e as grutas, de áureos lustres e aéreos plintos?
Ah – que fazes do rosto que te entrego?
- Musgos imóveis sobre a sua luz...
Limos... Liquens... – Opaco espelho cego!
1954
Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)
Chuva
Sobre as casas fechadas, a chuva.
Sobre o sono dos homens, a chuva.
Sobre os mortos inúmeros, a chuva.
A chuva noturna sobre as arvores.
A chuva noturna sobre os templos
A chuva noturna sobre o mar.
Sobre a solidão deste mundo, a chuva.
A solidão da chuva, na solidão.
Abril, 1954
Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)
6 de jan. de 2010
Carnaval
Com os teus dedos feitos de tempo silencioso,
Modela a minha mascara, modela-a...
E veste-me essas roupas encantadas
Com que tu mesmo te escondes, ó oculto!
Põe nos meus lábios essa voz
Que só constrói perguntas,
E, à aparência com que me encobrires,
Dá um nome rápido, que se possa logo esquecer...
Eu irei pelas tuas ruas,
Cantando e dançando...
E lá, onde ninguém se reconhece,
Ninguém saberá quem sou,
À luz do teu Carnaval...
Modela a minha mascara!
Veste-me essas roupas!
Mas deixa na minha voz a eternidade
Dos teus dedos de silencioso tempo...
Mas deixa nas minhas roupas a saudade da tua forma...
E põe na minha dança o teu ritmo,
Para me conduzir...
Cecília Meireles
Dispersos (1918-1964)
4 de jan. de 2010
Pergunto-te onde se acha a minha vida
('The Countess Brownlow' painting by Frederic Leighton)
Pergunto-te onde se acha a minha vida.
Em que dia fui eu. Que hora existiu formada
de uma verdade minha bem possuída.
Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.
E a quem é que pergunto? Em quem penso, iludida
por esperanças hereditárias? E de cada
pergunta minha vai nascendo a sombra imensa
que envolve a posição dos olhos de quem pensa.
Já não sei mais a diferença
de ti, de mim, da coisa perguntada,
do silencio da coisa irrespondida.
Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)
1 de jan. de 2010
Supérfluo
Assinar:
Postagens (Atom)
Seja bem-vindo. Hoje é