28 de ago. de 2009

INCLINA O PERFIL



Inclina o perfil amado
Nos veludos do silêncio
E apaga sobre esse quadro
As velas do pensamento.

E fecha a porta da sala
E desce a escada profunda
E sai pela rua clara
Onde não façam perguntas.

E vai por praias desertas
Desmanchando os teus caminhos,
Cortando o fio às conversas
Dos teus próprios labirintos.

E ao chão dize: Sou de areia.
E às ondas dize: Sou de água.
E em valas de ausência deita
A alma de outrora magoada.

Sem propósito de sonho
Nem de alvoradas seguintes,
Esquece teus olhos tontos
E teu coração tão triste.

Talvez nem a sobre humana
Mão que tece o ar e a floresta
Perturbe alguém que descansa
De tão duras controvérsias.

Talvez fiques tão tranqüila,
Ó vida, entre o mar e o vento,
Como o que ninguém divisa
De uma lágrima num lenço.


Cecília Meireles
In Retrato Natural

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