22 de jul. de 2010

"III"


E é de novo madrugada,
Sabiá.
Semana sobre semana,
tu, que cantas, serás sempre
o mesmo que ouço, encantada?
Sabiá,
recolho todos os ais
da tua voz sobre-humana,
- mas não sei por onde vais!


E não sei, pois não te avisto,
Sabiá,
Mas, embora te avistasse,
não te reconheceria.
E eu, quem sou? por onde existo?
Sabiá,
não se encontrarão jamais
tua voz, e minha face,
quase sobrenaturais...


Por quantos remotos dias,
Sabiá,
nossos vagos descendentes
repetirão este jogo,
com suas alegorias?
Sabiá,
de que servem tais sinais?
Que anúncios clarividentes
podem ter vozes mortais?



Cecília Meireles
In: Canções (1956) – Ciclo do Sabiá

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