4 de jul. de 2011

Um

O rumor do mundo vai perdendo a força,
e os rostos e as falas são falsos e avulsos.
O tempo versátil foge por esquinas
de vidro, de seda, de abraços difusos.


A lua que chega traz outros convites:
inclina em meus olhos o celeste mapa,
desmorona os punhos crispados do dia,
desenha caminhos, transparente e abstrata.


Arvores da noite... Pensamento amante...
- Transporta-me a sombra, na altura profunda,
aos campos felizes onde se desprende
o diurno limite de cada criatura.


É a noite sem elos... Inocência eterna,
isenta de mortes e natividades,
pura e solitária, deslembrada, alheia,
mudamente aberta para extremas viagens.


Eu mesma não vejo quem sou, na alta noite,
nem creio que SEJA: perduro em memória,
à mercê dos ventos, das brumas nascidas
nos dormentes lagos que ao luar se evaporam.


Recebo teu nome também repartido,
quebrado nos diques, levado nas flores...
Quem sabe teu nome – tão longe, tão tarde,
tão fora do tempo, do reino dos homens...?



Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Doze Noturnos da Holanda & O Aeronauta (1952)

Um comentário:

  1. é uma delícia vir a esse espaço e deliciar-se com as doces palavras de Cecília. venho deixar um beijo e desejar boa semana.

    ResponderExcluir

Muito grata por seu comentário, ele é muito importante para nós!

Seja bem-vindo. Hoje é