15 de jun. de 2014

Fragmento



Eu falava no mar como alguém que recorda
seus pais. E amava todo o aparelho naval:
- o grosso cheiro de óleo, o contorno da corda,
o arrastar da corrente -  e águas, e brisa e sal.


Eu pisava no cais com marítimo passo.
Invejava o molusco em líquen pelas quilhas.
E minha alma era um grito às gaivotas no espaço,
e paixão de encontrar cabos, recifes, ilhas.


Que me diz hoje o mar, e que me diz o vento,
que me diz esse amor, sem lugar para mim?
De tudo se desprende um triste pensamento.
No mais longe horizonte avisto o breve fim.


Tudo igual, em redor. Tudo, de qualquer lado,
preso no seu limite, em seu tempo, em seu luto.
E o mar que eu via, o mar eterno, continuado,
grande por ser sozinho, imortal, absoluto...?     



Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)






Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito grata por seu comentário, ele é muito importante para nós!

Seja bem-vindo. Hoje é